lunes, 28 de mayo de 2012

Rafael V. da Silva - "A Praxis Anarquista: Superação da Alienação e a Busca pela Autonomia"


O presente artigo tem como objetivo iniciar modestamente algumas reflexões e oferecer aportes que contribuam com a construção de uma teoria anarquista. Para isto, além da discussão sobre o que seria possível compreender por teoria, apresentarei brevemente os conceitos de alienação e autonomia. Utilizei principalmente, os aportes teóricos construídos pelo filósofo radical Cornelius Castoriadis, e as reflexões conceituais do campo anarquista. Crítico contumaz do capitalismo, mas também do autoproclamado socialismo científico, de matriz marxista, a obra de Castoriadis merece atenção do campo libertário. Sua crítica impiedosa do capitalismo e do marxismo,[1] se assemelha entrementes ao conteúdo radical da ideologia anarquista.
Acredito que os conceitos aqui desenvolvidos, podem servir modestamente aos debates libertários, principalmente no que diz respeito, a atuação dos anarquistas nos movimentos sociais. O desenvolvimento de pressupostos conceituais deve ser compreendido como uma possibilidade de enriquecer e ampliar o escopo de uma teoria social que se proponha libertária, elucidando a prática, sem subordiná-la.
O artigo foi escrito com determinado grau de organização e com objetivo de sistematizar alguns conceitos, mas ciente, de que inevitavelmente o texto serve mais de ponto de partida do que do ponto de “chegada”, sem nenhuma pretensão de engessar a teoria, mas apenas trazer ao debate possíveis reflexões conceituais, que longe de estarem acabados, provavelmente serão revistos em determinado momento. O modo como o texto foi construído obedeceu mais a “costura” de conceitos, visando contribuir com a teoria anarquista contemporânea do que propriamente, defini-los a partir do método histórico, ainda que esta costura, eventualmente, possa de alguma forma auxiliar o ofício historiográfico.
Ao levantar a discussão, trago também, conversas, diálogos, debates e também polêmicas, sejam elas no arco das esquerdas, ou em específico, no interior do próprio anarquismo, mais com a intenção de discutir quais são os caminhos efetivos da prática política anarquista, do que erigir-se enquanto um estatuto de “verdade”. Esta discussão não poderia ter sido feita sem o apoio e estímulo dos/as companheiros/as da Federação Anarquista do Rio de Janeiro e o contato com as lutas dos movimentos sociais. Agradeço às conversas, a revisão, e os apontamentos feitos pelos companheiros, em especial, a Felipe Corrêa e Gabriel Amorim.
I – A Atividade Teórica como Ferramenta da Praxis Anarquista
Com relação ao conhecimento- Visto que o ser não se revela a si mesmo senão em dois momentos indissoluvelmente ligados (…); que a realidade de um exige essencialmente a presença do outro; que é tão absurdo isolá-los como tentar reduzi-los, porque, nos dois casos, é negar a verdade inteira e suprimir a ciência, concluiremos primeiramente que a característica da ciência é invencivelmente esta: acordo entre a razão e a experiência.
(P-J Proudhon)
A ciência não cria nada, ela só constata e reconhece as criações da vida. E sempre que os homens da ciência, saindo do seu mundo abstracto, se ocupam da criação viva no mundo real, tudo o que propõem ou criam é pobre e ridiculamente abstracto, sem sangue nem vida, morrendo à nascença, semelhante ao homunculus criado por Wagner, o discípulo pedante do imortal doutor Fausto. Disto resulta que a única missão da ciência é esclarecer a vida e não governá-la.
(Mikhail Bakunin)
É preciso alertar, que o esforço teórico em desenvolver conceitos libertários não se propõe a dar conta de toda a realidade, o que de fato, acredito ser impossível, não por uma “deficiência temporária do saber” (CASTORIADIS, 1986: 96), mas porque não podemos jamais reduzir o real a uma ordem racional pré-constituída. O real não é um “artefato estável, limitado e morto” (ibid). Esta percepção sobre o real, enquanto um espaço de vida, e que, portanto, escapa incansavelmente a teoria, fora muito bem compreendida por grande parte dos anarquistas;[2] a ciência, dizia Bakunin, “só trabalha com sombras… A realidade viva escapa-lhe, e só se mostra à vida” (BAKUNIN, 1975: 42). Este fato, nunca fez com que os anarquistas rejeitassem os esforços teóricos, mas compreendessem que a modificação da realidade não passa pela proposta da teoria total, que tudo abarcaria, que tudo compreenderia. A ciência inclui o pensamento da realidade, não a realidade em si mesma; o pensamento da vida, não a vida…” (Idem: 44).
A proposta da teoria total é uma quimera, mas isto não significa que devemos abandonar[3] o esforço teórico, e muito menos a prática política. Isto porque a prática política anarquista visa transformação[4], e toda transformação também supõe elucidação e compreensão da realidade; portanto, prática e teoria, só podem ser compreendidas numa relação completamente indissociável, é o que se pode chamar de praxis.
“Chamamos de praxis este fazer, no qual o outro ou os outros são visados como seres autônomos e considerados como o agente essencial do desenvolvimento de sua própria autonomia.” (CASTORIADIS, 1986: 94)
A praxis supõe um saber e um fazer que visem autonomia. Sobre este fazer em sua forma específica, atribuo o sinônimo, prática política, que apesar de não precisar de uma teoria total, se, se pretende eficaz necessita sim, de uma atividade teórica. Ambas, atividade teórica e prática política estão intimamente relacionadas e na práxis se articulam. Concordo com Castoriadis quando afirma que “A teoria como tal é um fazer, a tentativa sempre incerta de realizar o projeto de uma elucidação do mundo” (CASTORIADIS, 1986: 93), ressalta o caráter sempre provisório da teoria e que deste modo, reconhece suas limitações. Do ponto de vista anarquista:
“O nosso Cristo distingue-se do Cristo protestante e cristão no seguinte: este último é um ser pessoal e o nosso é impessoal; o Cristo cristão, já realizado num passado eterno, apresenta-se como um ser perfeito, enquanto que a realização e a perfeição do nosso Cristo, da ciência, dar-se-á no futuro: o que equivale a dizer que nunca se realizará.
(…)
O nosso Cristo ficará pois eternamente incompleto, o que deve abater muito o orgulho dos seus representantes creditados entre nós.”
(BAKUNIN, 1975: 57-58)
“Na ciência, as teorias, sempre hipotéticas e provisórias, constituem um meio cômodo para reagrupar e vincular fatos conhecidos, e um instrumento útil para a investigação, o descobrimento e a interpretação de fatos novos: mais não são a verdade.”
(Errico Malatesta. “Anarquismo y Anarquia”. Excerto de Umanitá Nova, 27 de abril de 1922. In: RICHARDS, 2007: 39.)
(…)
“Eu não creio na infabilidade da ciência, nem em sua capacidade de explicar tudo, nem em sua missão de regular a conduta de homens, como não creio na infabilidade do Papa (…). Eu só acredito nas coisas que podem se provar; mais sei muito bem que as provas são algo relativo e podem superar-se e anular-se continuamente mediante outros fatos provados (…)”[5]
(Ibid. Excerto de Pensiero e Volontá, 15 de setembro de 1924. In: RICHARDS, 2007: 40.)
Assim sendo, é importante também não ir a outro extremo e negar a produção de quaisquer esforços teóricos, como se estes de nada servissem; isto de fato, é ignorar que toda alteração da realidade, também pressupõe certa elucidação. A lente “ideológica” não é suficiente para interpretar e analisar a realidade, o que facilmente redundaria numa atitude purista, que rapidamente cairia num maniqueísmo de feições pouco enriquecedoras à atividade política. Ainda que a compreensão teórica da realidade não determine a ação consciente, ela pode ajudar a orientá-la, o que é fundamental para quaisquer projetos que se pretendam de longo prazo, como é o caso da estratégia anarquista de transformação social.
“Para entender o que acontece (a conjuntura) é preciso poder pensar corretamente. Pensar corretamente significa ordenar e tratar adequadamente os dados que se produzem, em quantidade, sobre a realidade.
Pensar corretamente é a condição indispensável para analisar corretamente o que acontece em um país em um momento dado da História desse país ou de qualquer outro. Isso exige instrumentos. Esses instrumentos são os conceitos. Para pensar com coerência é necessário um conjunto de conceitos coerentemente articulados entre si. Se exige um sistema de conceitos, uma teoria.” (FAU. Huerta Grande: a Importância da Teoria.)
A importância da teoria, ou já utilizando o conceito aqui desenvolvido, da atividade teórica, está em fornecer instrumentos adequados, mesmo que estejamos cientes de sua incerteza, e, portanto, que saibamos conscientemente que ela é provisória para a ação política em determinado contexto sócio-histórico. É provisória, mas não incoerente, pois possui seu grau de organização. “Que não haja um saber rigoroso sobre a sociedade não quer dizer que não haja nenhum saber sobre a sociedade, que se possa dizer qualquer coisa, que tudo valha”. (CASTORIADIS in VOLKER, 1976: 97). A atividade teórica também é aberta, mas não relativista por “princípio”; relativizo algo para chegar a algum lugar, destruo algo, para construir outra coisa em seu lugar: é o princípio do pensamento aberto.
“O pensamento avança na interrogação sendo a cada vez obrigado a manter provisoriamente um certo número de coisas, mesmo que seja para recolocá-las em questão em um segundo movimento. Um pensamento livre ou aberto é aquele que realiza esse movimento; não é uma liberdade pura, um raio que atravessa o vazio, uma luz que se propaga através do éter, é uma marcha que a cada vez tem que se apoiar em alguma coisa, tem que orientar-se tanto pelo que não é ela própria, quanto pelos ‘resultados’ precedentes – mas que pode voltar-se sobre si mesma, ver-se rediscutir seus pensamentos, etc.”
(ibid: 81).
Quanto mais conectada a prática, mais “realista”, e deste modo, útil e adequada é a teoria. Quanto mais afastada de uma experiência concreta coletiva, torna-se mais exótica e incompreensível, assumindo conseqüentemente feições que permanecem no campo do abstrato, inviabilizando uma análise lúcida da realidade, ou redundando na iconoclastia pela iconoclastia.
A atividade teórica, portanto, alimenta e é alimentada pela prática, constituindo-a, e sendo por esta constituída: “Elucidação e transformação do real progridem, na praxis, num condicionamento recíproco” (CASTORIADIS, 1986: 95). As modificações teóricas e as correções das análises são, portanto, constantemente modificadas pela prática política, porque a última instância da praxis é justamente a transformação daquilo que é dado, a transformação do real: “Para teorizar com eficácia é imprescindível atuar” (FAU, op. cit.). Se o real é modificado constantemente pela atividade política, obviamente a teoria deverá se ajustar e permitir-se modificações. Oxigenando-a, possibilitamos que a atividade teórica seja um instrumento cada vez mais propositivo para a intervenção concreta na realidade.
O problema da teoria no movimento revolucionário se deu quando houve a transformação da atividade teórica em sistema teórico, especificamente pela fantasia do saber absoluto e da teoria total, que dominou a tradição marxista. Utilizo o termo sistema não no sentido utilizado pela FAU, como um conjunto mais ou menos coerente de quadros conceituais, mas sim, no que diz respeito a uma teoria que pretende dar conta da totalidade do real. Portanto, reafirmamos que a teoria anarquista não se propõe a ser um sistema, mas uma atividade, que pretende fornecer possibilidades de elucidação, mas não pretende dar respostas prévias ou definitivas aqueles elementos que só podem ser dados (emergir) pela praxis e por sua criação histórica. As especificidades das revoluções ocorridas na histórica comprovam que a experiência da classe trabalhadora enquanto projeto radical trouxe elementos novos que não podiam ser previstos e acabaram sendo incorporados à teoria. Podemos utilizar a teoria para elucidar estes projetos, dar sentido a estes, ou, (inclusive sentido para a ação contemporânea) organizá-los num quadro conceitual coerente, mas jamais “explicá-los”, ou reduzi-los a algum grau de determinação.
Quando somos confrontados com a experiência dos zapatistas, o que mais nos chama atenção não é a maneira com que as “leis” da “história” os empurraram a sair às ruas em 1994 para combater o NAFTA. As condições econômicas podem até nos ajudar a compreender o que ocorrera no México, mas tampouco servirão para explicar as novas relações, os paradigmas quebrados e a emergência de um projeto radical que não é um socialismo requentado, mas algo essencialmente novo. As condições econômicas não explicam a praxis, pois esta faz emergir novos elementos, como fora o caso zapatista. E se isto nos anima, o faz justamente por ser algo novo, não por ser simplesmente original, mas radicalmente novo; não existia e nem poderia existir anteriormente, justamente por que é fruto da praxis, da criação histórica, neste caso, criação de classe, realizada em determinado período pela ação de determinados indivíduos, e por conseguinte; que não poderia ser prevista ou determinada a priori por “esquematismos”.
Obviamente, toda criação no terreno histórico também pressupõem a relação com velhos elementos (e no caso do Zapatismo podemos nos referir às tradições milenares, a figura de Zapata e a cultura radical das comunidades indígenas que já existiam antes da emergência do fenômeno zapatista); elementos que já existiam, pois obviamente, se toda criação é histórica, parte de um terreno social (o melhor termo seria social-histórico). Mas o que caracteriza a criação é justamente esta capacidade de criar novas significações a partir do que existe, mas sem dúvida, ultrapassando o que existe e criando elementos novos, elementos, que a teoria é incapaz de prever, mas que a atividade teórica pode ajudar a elucidar, sem nenhum receio de recorrer a possíveis alterações e modificações de seus pressupostos conceituais.
A alienação da teoria, portanto, se conforma, quando há sua transformação de atividade teórica em sistema teórico, sistema que se propõe sempre a reduzir a realidade a um esquema totalmente racional, portanto possível de ser estritamente delimitada por um quadro conceitual que obedece a determinadas leis gerais. Isto causa sua autonomização, transformando-a num sistema que se propõe absoluto, ou se conforma como teoria acabada, subordinando a ação política ao seu quadro conceitual, mesmo que recorra vez ou outra a uma relação que se pretenda dialética. Dialética, que confirmada pela prática de vários grupos de esquerda, assume um sentido cada vez mais envergonhadamente retórico. A alienação da teoria também causa alienação da prática política, pois esta permanece subordinada ao que anteriormente criara[6]. A prática torna-se refém da teoria e se aliena, pois ao invés de buscar a criação de novas estratégias e meios, permanece fiel a teoria que acreditara “dar conta” de toda a realidade, pelo menos em seus pressupostos fundamentais. E se há alguém, ou um grupo específico de revolucionários, que detém e maneja a teoria revolucionária, se este grupo supostamente detém a “chave” do caminho da revolução, deterá as estratégias corretas para a prática da classe trabalhadora.
“(…) a idéia de que a ação autônoma das massas possa constituir o elemento central da revolução socialista, aceita ou não, será sempre secundária para um marxista conseqüente – por não ter interesse verdadeiro, nem fundamentação teórica e filosófica. O marxista sabe para onde deve ir a história; se a ação autônoma das massas segue nesta direção, ela nada lhe ensina, se segue para outro lado, é uma má autonomia, ou melhor, não é mais uma autonomia, posto que se as massas não se dirigem para os objetivos corretos é porque continuam ainda sob a influência do capitalismo. Quando a verdade foi conquistada, todo o resto é erro, mas o erro nada significa num universo determinista: o erro é o resultado da ação do inimigo de classe e do sistema de exploração.” (CASTORIADIS, 1986: 44-45)
A classe permanece então refém destes teóricos[7], desta vanguarda: os únicos que podem interpretar; revisar e analisar os aspectos teóricos fundamentais que podem prever e construir os processos revolucionários. O socialismo perde gradativamente seu aspecto humano e torna-se cada vez mais refém de um discurso e de uma orientação, cujo predomínio técnico é evidente. A política passa a ser daí em diante, “(…) a aplicação de um saber adquirido num domínio delimitado e com fins precisos” (Ibid: 86-87), controlada evidentemente por determinadas vanguardas ou usando eufemismos gramiscinianos, “intelectuais-orgânicos”. Esta questão de fundo revela a relação problemática que o marxismo compôs entre ideologia e teoria; especialmente quando intentou transformar o que era uma aspiração dos trabalhadores (socialismo) em um desdobramento, uma conseqüência lógica da aplicação de uma técnica revolucionária, possível de ser conduzida corretamente por um sistema teórico. O marxismo transformou o que seria uma aspiração (ideologia) dos trabalhadores em uma doutrina, uma suposta “ciência” da revolução[8], capaz de compreender não só o funcionamento do sistema capitalista, mas ser uma teoria total que busca também explicar a história humana e seus acontecimentos, revelando suas leis pelo chamado materialismo histórico-dialético[9], parte fundamental do socialismo “científico”.
Atentos a isto, muitos militantes anarquistas empreenderam duras críticas a este procedimento. Estes, no entanto, jamais descartarem a possível utilidade da teoria no processo de luta.
“O anarquismo é, no entanto, uma aspiração humana, que não se baseia em nenhuma necessidade real ou suposta da natureza, e que pode realizar-se segundo a vontade humana. Aproveita os meios que a ciência proporciona ao homem (…) quando estes servem para ensinar os homens a pensar melhor e mais precisa distinguir com mais precisão o real do fantástico, mas não se pode o confundir sem cair no absurdo, nem com a ciência nem com qualquer sistema filosófico[10].”
(Errico Malatesta. “Anarquismo y Anarquia”. Excerto de Pensiero e Volontá, 16 de maio de 1925. In: RICHARDS, 2007: 21.)
Já compreendemos que a teoria, que aqui por reflexão conceitual, chamei de atividade teórica “(…) aponta para a elaboração de instrumentos conceituais para pensar rigorosamente e conhecer profundamente a realidade concreta” (FAU. Huerta Grande: a Importância da Teoria), agora necessitamos precisar o que é possível compreender enquanto ideologia. Não utilizo o termo ideologia no sentido marxista (falsa consciência). Entendo-a como um “um conjunto de idéias, motivações, aspirações, valores, estrutura ou sistema de conceitos que possuem uma conexão direta com a ação” (FARJ, 2008: 17) A ideologia
“(…) é composta de elementos de natureza não científica, que contribuem para dinamizar a ação, motivando-a, baseada em circunstâncias que, ainda que tendo relação com as condições objetivas, não derivam dela, no sentido estrito. A ideologia está condicionada pelas condições objetivas, ainda que não seja determinada mecanicamente por elas.
(…)
A teoria torna precisa, circunstancializa as condicionantes da ação política: a ideologia motiva-a e a impulsiona, configurando-a em suas metas “ideais” e seu estilo.”
(FAU. Huerta Grande: a Importância da Teoria).
Assim como anteriormente defendi, que para o anarquismo, a prática política é indissociável da atividade teórica e vice-versa, e que a transformação da ideologia socialista num sistema teórico (marxismo) subordina e engessa a prática política, concluo que a atividade teórica sem ideologia também é impensável num projeto que seja transformador. Castoriadis tem a opinião de que a praxis se articula em torno de três elementos, o que ele chama de círculo da praxis:
“Tudo isso leva novamente ao que chamo o círculo da praxis. Esse círculo pode ser definido, como todo círculo que se preza em geometria plana, por três pontos não colineares. Há uma luta e uma contestação na sociedade; há a interpretação e a elucidação dessa luta; há a perspectiva e a vontade políticas daquele que elucida e interpreta.” (CASTORIADIS in VOLKER, 1971: 66.)
O círculo da praxis, que Castoriadis define como luta, interpretação e perspectiva; pode ser “traduzido” para a linguagem anarquista enquanto prática política, atividade teórica e ideologia. E se o socialismo e a autonomia não são fruto da simples aplicação de um programa construído pelos especialistas, e que é embasado por um sistema teórico que “descortinou” as leis de funcionamento da história e da sociedade; somos levados a compreender, que o socialismo e a autonomia tornam-se frutos da ação e criação da práxis pela organização da classe. O próprio surgimento do anarquismo comprova esta tese. A emergência do anarquismo está inscrita no surgimento de novas significações no interior do movimento operário e não pode ser explicada como conseqüência da simples elaboração de um sistema teórico ou filosófico, mas de uma praxis em constante movimento e que constituiu a espinha dorsal da ideologia anarquista.
“O anarquismo na sua gênese, nas suas aspirações, em seus métodos de luta, não tem nenhum vínculo com qualquer sistema filosófico. O anarquismo nasceu da rebelião moral contra as injustiças sociais.[11].
Quando apareceram homens que se sentiram sufocados pelo ambiente social em que estavam forçados a viver, e cuja sensibilidade se viu ofendida pela dor dos demais como se ela fosse a sua própria, e quando estes homens se convenceram de que boa parte da dor humana não é conseqüência fatal das leis naturais ou sobrenaturais inexoráveis, mas deriva, por outro lado, de feitos sociais dependentes da vontade humana e elimináveis por obra do homem, abriu-se então a via que deveria conduzir ao anarquismo.”
(Errico Malatesta. “Anarquismo y Anarquia”. Excerto de Pensiero e Volontá, 16 de maio de 1925. In: RICHARDS, 2007: 21.)
Ao afirmar que a ideologia anarquista nasceu de uma prática dos trabalhadores, Malatesta também assinala que o anarquismo possui uma conexão direta com a ação política, com a transformação social, e por isto, ligação direta com a experiência da classe trabalhadora, e sua criação histórica.  Prática política, atividade teórica e ideologia[12] no anarquismo, se articulam destarte, de maneira indissociável.
Concluímos que qualquer sistema teórico que pretenda subordinar a experiência do conjunto dos oprimidos e das oprimidas está completamente equivocado, porque é da experiência da classe, que surgem os únicos elementos e significações capazes de efetivar a reconstrução radical da sociedade capitalista por um processo revolucionário, processo que acredito ter como objetivos finalistas se, pretende-se eficaz, a superação da alienação e a construção da autonomia, o que os anarquistas há muito tempo chamam apenas, de socialismo libertário.
II – Alienação e Autonomia: pela necessidade de um Projeto Coletivo Transformador
O conceito de alienação de Castoriadis é essencialmente social. A alienação não é “inerente” a história humana, mas simplesmente uma modalidade de relação da sociedade com suas instituições em determinado contexto. A sociedade capitalista é, por excelência, uma sociedade que não permite o usufruto da autonomia, nem individual, nem coletiva. Um dos principais pilares de dominação do sistema capitalista é sua estrutura econômica. No sistema produtivo capitalista, a economia é dirigida e controlada por um grupo minoritário que detém os meios de produção. Todo excedente de riqueza produzido é apropriado por esta classe social. Além da apropriação dos frutos da produção, a gestão da produção é restrita a determinados especialistas, que podem ser donos dos meios de produção ou não, neste último caso sendo apenas seus gestores[13]. O trabalhador na sociedade capitalista, usando as palavras de Castoriadis, é transformado em um “fragmento de homem” sob a racionalização capitalista.
“Entendemos por alienação – momento característico de toda sociedade de classe, mas que aparece com dimensão e profundidade muito maiores na sociedade capitalista – o fato de os produtos da atividade do homem adquirirem em relação a ele uma existência social independente, e, ao invés de serem dominados por ele, o dominarem. A alienação é, portanto, aquilo que se opõe à criatividade livre do homem no mundo criado pelo homem; não é um princípio histórico independente, que tenha uma origem própria. É a objetivação da atividade humana, na medida em que escapa de seu autor, sem que seu autor possa escapar dela.”  (CASTORIADIS, 1983: 68)
Racionalização que é apenas aparente, pois o aumento e o aperfeiçoamento da produção são tomados como fins em si mesmo, o que acaba ganhando um sentido extremamente irracional. Irracional, pois a idéia de acumulação e de desenvolvimento é extremamente problemática. Desenvolvimento implica alcançar um fim, um limite. Um organismo se desenvolve para alcançar outro estágio. Um plano de estudos de desenvolve para alcançar outro conteúdo. Já a economia sob o capitalismo ao contrário, não possui limites específicos.  “O limite (péras) define ao mesmo tempo o ser e a norma. O ilimitado, o infinito, o sem-fim (apeíron) é seguramente inacabado, imperfeito, menos-ser. (CASTORIADIS, 1987: 143.) No caso do sistema capitalista, esta técnica não está a serviço de nenhum fim determinável, são os indivíduos é que permanecem subordinados à técnica.
Em vez da produção e do sistema econômico estar a serviço da sociedade, a sociedade é que está a serviço da produção. Derivamos disto, as idéias mais gerais sobre o conceito de alienação a partir de Castoriadis. Primeiro, as instituições podem ser alienantes em seu conteúdo específico e sancionar uma sociedade de classes, uma dominação de uma categoria sobre outra, como é o caso das instituições da sociedade capitalista, onde o domínio de uma classe sobre outra, é exercida principalmente pela esfera econômica[14]. Mas há também outro fator de alienação, que é a subordinação da sociedade à suas instituições, que poder ocorrer em qualquer contexto sócio-histórico[15]. A sociedade então, não reconhece nas suas instituições, o seu produto.
“A alienação é a autonomização e a dominância do momento imaginário na instituição que propicia a autonomização e a dominância da instituição relativamente à sociedade. Esta autonomização da instituição exprime-se e encarna-se na materialidade da vida social, mas supõe sempre também que a sociedade vive suas relações com suas instituições à maneira do imaginário, ou seja, não reconhece no imaginário das instituições seu próprio produto.”
(idem: 159-160).
“Referimo-nos ao fato, mais importante, de que a instituição, uma vez estabelecida, parece autonomizar-se, que ela possuía sua inércia e lógica própria, ultrapassa, em sua sobrevivência e nos seus efeitos, sua função, suas “finalidades” e suas “razões de ser”. As evidências se invertem; o que podia ser visto “no início” como um conjunto de instituições a serviço da sociedade, transforma-se numa sociedade a serviço das instituições.” (idem: 133).
“A faculdade de abstraçcão, fonte de todos os nossos conhecimentos e ideais, é sem dúvida a única causa de todas as emancipações realizadas pelo homem. Mas o primeiro despertar desta faculdade no homem não produziu imediatamente sua liberdade.
Logo que ela começa a formar-se , desembaraçando-se lentamente dos princípios da instintividade animal, começa por se manifestar, não sob a forma duma reflexão ponderada, com consciência e conhecimento da sua própria actividade, mas sob a forma duma reflexão imaginativa, inconsciente do que faz e por isso mesmo tomando sempre os seus PRÓPRIOS PRODUTOS, por seres reais, aos quais atribui inocentemente uma existência independente, anterior a todo conhecimento humano, e só atribuindo a si o mérito de os ter descoberto fora de si própria. Devido a este procedimento, a reflexão imaginativa do homem povoa seu mundo exterior de fantasmas que lhe parecem mais perigosos, mais fortes e mais terríveis do que seres reais que o cercam.”
(BAKUNIN, 1975: 68-69)
Já para efetivar o processo de alienação em seu conteúdo mais específico, a organização do trabalho no modo de produção da economia capitalista e em outros ramos da vida é essencialmente hierárquica. A hierarquia não foi inventada pelo sistema capitalista; mas neste tornou-se universal. A hierarquia permite que uma categoria da população dirija a sociedade, e outra apenas execute suas decisões. À hierarquia de decisões, complementa-se uma hierarquia de rendimentos e remunerações. A hierarquia, portanto, é a forma mais preponderante de organização da sociedade capitalista, e é pelo sistema hierárquico universalizado, por este sistema econômico, social e político, que a alienação pode se reproduzir. Hierarquia supõe dominação e por isto alienação. Distinguimos dominação, de poder. “O estado de domínio se identifica pela falta de opção, pela coação, pela hierarquia, pela alienação, pela falta de voz, pela recompensa residual (…)” (LÓPEZ, 2001: 98). A dominação de uma classe por outra, não pode ser compreendida apenas no que tange à apropriação do excedente da produção e em seu controle dos meios de produção (capital), mas também deve ser percebida no interior das relações de produção pela “divisão antagônica dos participantes da produção em duas categorias fixas e estáveis, dirigentes e executantes” (CASTORIADIS, 1983: 53-54).
“Mas a burocracia só pode comandar a utilização do produto social porque ela comanda também a produção. É porque ela gere a produção ao nível da fábrica que pode constantemente obrigar os trabalhadores a produzir mais pelo mesmo salário; é porque gere a produção ao nível da sociedade que pode decidir pela fabricação de canhões e de sedas em vez de moradias ou tecidos de algodão.” (idem).
Para Castoriadis,
 “(…) no essencial, a divisão das sociedades contemporâneas – ocidentais ou orientais – em classes já não mais corresponde à divisão entre proprietários e não-proprietários, mas àquela, muito mais profunda e mais difícil de eliminar, entre dirigentes e executantes no processo de produção.
(…)
O socialismo é a supressão da divisão da sociedade em dirigentes e executantes, o que significa ao mesmo tempo gestão operária em todos os níveis – da fábrica, da economia e da sociedade – e poder dos organismos de massa – sovietes, comitês de fábrica ou conselhos.”
(ibid, 1985: 81).
Segundo este, a conquista da autonomia só pode ser realizada por um empreendimento coletivo, que inevitavelmente envolve o conjunto dos oprimidos. Isto porque a discussão sobre a autonomia nos leva diretamente ao problema político e social; “(…) não podemos desejar a autonomia sem desejá-la para todos e que sua realização só pode conceber-se plenamente como empreitada coletiva” (idem: 129). Essa abordagem aproxima-se do conceito bakuninista de liberdade, concebido como um produto social. Ao discutir a liberdade, Bakunin distancia-se do conceito de liberdade individual e metafísico.
“Ser coletivamente livre é viver no meio de homens livres e ser livre pela liberdade deles. O homem, já dissemos, não poderia tornar-se um ser inteligente, dotado de uma vontade refletida, e, por conseqüência, não poderia conquistar sua liberdade individual fora e sem o concurso de toda a sociedade. A liberdade de cada um é, portanto, o produto da solidariedade comum. Mas essa solidariedade, uma vez reconhecida como base e condição de toda liberdade individual, evidencia que, se um homem está no meio dos escravos, ainda que fosse seu amo, seria necessariamente o escravo de sua escravidão, e só poderia tornar-se real e completamente livre por sua liberdade. Portanto, a liberdade de todo o mundo é necessária à liberdade; daí resulta que não é absolutamente verdadeiro dizer que a liberdade de todos seja o limite de minha liberdade, o que equivaleria a uma completa negação desta última. Ela é, ao contrário a sua confirmação necessária e sua extensão ao infinito.”
(BAKUNIN, 2009a: 76)
O que significa dizer que as dimensões da autonomia individual são constantemente limitadas pelas condições sociais.
“Em uma sociedade de alienação, mesmo para os poucos indivíduos para quem a autonomia possui um sentido, ela só pode permanecer truncada, porque encontra, nas condições materiais e nos outros indivíduos, obstáculos constantemente renovados do momento em que tem de encarnar-se numa atividade, desenvolver-se e existir socialmente; ela só pode manifestar-se, em sua vida efetiva, em interstícios dispostos pelo acaso e pela astúcia, em quotas sempre pequenas.”
(CASTORIADIS, 1986: 131.)
A chamada autonomia individual, muitas vezes é concebida por parte do anarquismo contemporâneo como um processo de busca de autonomia do indivíduo sob o capitalismo. Neste ponto, tornar-se autônomo, seria cada vez “depender menos do capitalismo individualmente ou em pequenos grupos” e de suas instituições, o que do ponto de vista de um projeto revolucionário deve ser alvo de reflexões. Primeiro é preciso afirmar, que é impossível “fugir” da sociedade capitalista; não há jamais, grupo da sociedade apartado de suas instituições:
“A dimensão social-histórica, enquanto dimensão do coletivo e do anônimo, instaura para cada um e para todos uma relação simultânea de interioridade e de exterioridade, de participação e de exclusão, a qual não pode ser abolida nem mesmo “dominada” mesmo num sentido pouco definido desse termo. O social é o que é o que é todos e não é ninguém, o que jamais está ausente (…).”
(Idem: 135.)
Segundo, esta tese ignora que a possibilidade da autonomia, entendida aqui como necessariamente social, é impossível sem estratégias que apontem para a destruição das instituições heterônomas e a construção de instituições que a garantam. Ou seja, estamos todos no mesmo barco e precisamos traçar estratégias coletivas para modificar sua rota.
Esta tese, ou mito, por sinal, autonomizou-se, transformou o significado original do conceito de autogestão, que significava gestão completa da produção e da política pelos trabalhadores, em simples autonomia individual, que significa “fazer você mesmo”, e não toca na questão fundamental dos modos de dominação do capitalismo.
Sabe-se, por exemplo, que a sociedade capitalista, apesar do modo de produção hegemônico assalariado, tolera e convive com outros modos de produção. A existência de artesãos, “autônomos” (no sentido de não venderem sua força de trabalho) e profissionais liberais; demonstra que é possível, dentro da sociedade capitalista a coexistência de diferentes formas de relação social, desde que o essencial dos processos de dominação esteja garantido. Tal fato jamais ameaçou a sobrevivência do sistema capitalista. Uma comunidade alternativa ou “autônoma” pode coexistir facilmente com uma metrópole, e um complexo industrial-militar, já que, garantidos os mecanismos de dominação do capitalismo, esta existência não ameaçará o uso das bombas produzidas pela indústria da guerra e muito menos o modo de produção e as relações capitalistas hegemônicas.
Além disto, no sistema capitalista, a tensão entre passividade e a criatividade está sempre presente, pois isto também é uma condição para sua manutenção, seja no terreno da produção, ou até mesmo da política, mantendo o horizonte da criação não com vistas ao estabelecimento de uma sociedade autônoma, mas de manutenção da falsa liberdade dentro do próprio sistema. Falsa não por reflexões filosóficas feitas a priori, ou por julgamentos pessoais abstratos, mas sim pelo o que vimos anteriormente, a liberdade e autonomia só podem ser conquistadas enquanto um produto social coletivo, o que sob sistema capitalista, um sistema de dominação e opressão, é de fato impossível. Bakunin compreendera muito bem a dimensão social da autonomia, quando afirmara que não pode haver liberdade num mundo de escravos. “Só serei verdadeiramente livre quando todos os seres humanos que me cercam, homens e mulheres, forem igualmente livres”. (BAKUNIN, 1975: 22)
Do ponto de vista individual prefiro pensar na autonomia de outra forma, sem jamais deixar de relacioná-la com uma dimensão social. O indivíduo autônomo é aquele que consegue reconhecer em si próprio a existência do discurso do outro, e assim, é capaz de negá-lo ou afirmá-lo[16]. Negá-lo, não o eliminando, pois tal procedimento é impossível, (pela relação de interioridade e exterioridade descrita anteriormente); mas reconhecendo em si próprio, a existência deste discurso, o que implica necessariamente em poder escolhê-lo ou não, mas sempre lucidamente. Do modo contrário, quando não reconhecemos a existência deste discurso do “outro”, seja do discurso das instituições (capitalistas, por exemplo) que nos formam, e do domínio do “imaginário autonomizado[17] que se arrojou a função de definir para o sujeito tanto a realidade quanto o seu desejo”, (CASTORIADIS, 1986: 124) não há mais autonomia, mas simplesmente alienação.
“A maior parte dos indivíduos… só quer e pensa o que toda a gente que os rodeia quer e pensa; eles acreditam sem dúvida, querer e pensar eles próprios, mas só fazem reaparecer servilmente, rotineiramente, com modificações quase imperceptíveis ou nulas, os pensamentos e as vontades dos outros.”
(BAKUNIN, 1975: 14)
Esta autonomia individual tem mais chances de se emergir e se multiplicar, quando envolve uma praxis, ou seja, uma prática e elucidação coletiva que envolva determinados fins.
Portanto, quaisquer projetos que se pretendam revolucionários precisam ter em seus objetivos e caminhos o horizonte da autonomia coletiva, buscando-a não apenas como um objetivo finalista, mas aplicando-a nos métodos e meios para alcançá-la.  Defendo que estes meios podem ser realizados nos movimentos sociais; e permitem, que em seus processos e lutas, os agentes que dela participam (trabalhadores/as), percebam do ponto de vista individual, que parte de seu discurso, e de suas exigências, eram exigências e discursos das instituições e desígnios da sociedade capitalista. É a emergência, no processo da luta, da chamada autonomia individual.
Deste modo, as simples relações pessoais, apesar de serem sociais, não podem ser consideradas como uma praxis, ou seja, como uma atividade no sentido coletivo e transformador. Para a praxis, o desenvolvimento da autonomia é o fim e o meio (CASTORIADIS, 1986: 94). As relações pessoais não têm um fim exterior à própria relação. Não fazemos amigos para alcançar determinado fim[18]; não nos apaixonamos[19] para buscar determinado objetivo. Obviamente que questões políticas estão presentes nas relações; assim como questões culturais, sociais e até ideológicas, mas precisamos diferenciá-las de um projeto coletivo que possua horizontes revolucionários, o que implica certas condições organizativas. Amizades libertárias podem tornar nosso cotidiano mais aprazível e reduzir as tensões políticas e ideológicas dos embates cotidianos entre diferentes percepções individuais sobre o sistema capitalista, mas por si só, não conduzem a transformação social e não oferecem perigo nem ao Estado nem ao sistema econômico capitalista, pois não se configuram enquanto uma ação de classe, ação de classe que envolve movimentos sociais.
Na prática política anarquista, que é essencialmente coletiva, há determinados elementos que não estão presentes nas relações pessoais: estamos nos referindo aos planos, programas e projetos que visam uma transformação coletiva; esta transformação só pode ser alcançada, mediante uma ação que extrapola o nível das relações pessoais e que, assim, visa a autonomia do outro e da sociedade em que estamos inseridos, incluindo a destruição e a construção de instituições.
Para isto, é indispensável a definição de uma estratégia de luta prolongada, que só pode ser alcançada por meio de um projeto que aglutine o maior número possível do conjunto dos oprimidos; um projeto que é imprescindivelmente coletivo. A auto-organização dos trabalhadores dominados pelo sistema capitalista nos movimentos sociais e organizações populares é uma condição indispensável para a transformação radical; pelo menos, somos sugeridos a crer nisso com base nas rupturas históricas e nos projetos coletivos que tentaram instituir uma sociedade autônoma (Comuna de Paris, Revolução Espanhola, Revolução Mexicana, etc). Rupturas que ocorreram pela ação política coletiva de homens e mulheres e não pelas “leis ocultas da história” ou pela emergência “espontânea” da autonomia. Não se trata da predestinação do sujeito histórico, que obliterou a prática política e a teoria marxista em algemas conceituais, mas sim de uma ação classista que para ter chances de sucesso, precisa ser realizada com a organização de um grande contingente de oprimidos pelo sistema capitalista. É importante ressaltar, que a concepção de transformação dos anarquistas não concede primazia da transformação ao proletariado industrial, sendo deste modo, mais ampla em sua concepção de classe.
Os acontecimentos revolucionários só puderam ocorrer mediante um processo de criação e organização revolucionária, uma mobilização de forças coletivas, cujas possibilidades de fracasso e sucesso, evidentemente, estão em aberto, pois são sociais. “As revoluções ocorrem por contingências sociais, não históricas”, dizia Proudhon. Ao deslocar os processos revolucionários para o campo social, Proudhon deslocou a emergência da autonomia na história para o terreno social, a autonomia portanto; é definida enquanto uma possibilidade última e intencional da praxis, e de sua prática política, não pelas  “leis históricas” ou enquanto um produto infalível de determinadas “contradições” de estruturas econômicas, ainda que crises eventuais possam precipitar determinadas condições em aberto aos processos revolucionários; mas elas não o definem.
A prática política que possui os objetivos finalistas da autonomia social (ou utilizando nossos termos, socialismo libertário), neste contexto, inclui a aplicação de uma estratégia, construída pela auto-organização do arco dos oprimidos, que chamamos de instância social. A auto-organização da classe, em seus respectivos movimentos sociais, é uma condição fundamental para a construção do poder popular.
Mas também é preciso lembrar, que há outro componente, fundamental para a transformação radical, que é a organização específica anarquista, que chamaremos de instância política.
“Portanto a estratégia que concebemos baseia-se nos movimentos populares (movimentos de massas), em sua organização, acúmulo de força, aplicação de violência visando chegar à revolução e ao socialismo libertário. Processo que se dá conjuntamente com a organização específica anarquista que, funcionando como fermento/motor, atua conjuntamente com o nível de massas e proporciona as condições de transformação. Estes dois níveis (dos movimentos populares e da organização anarquista) podem ser complementados por um terceiro, o da tendência, que agrega um setor afim dos movimentos populares.”
(CORRÊA, 2010: 6-7)
A organização específica anarquista é “o agrupamento de indivíduos anarquistas que, por meio de suas próprias vontades e do livre acordo, trabalham juntos com objetivos bem determinados.” (FARJ, 2008: 128). A organização política anarquista, também formada por trabalhadores e trabalhadoras, pode atuar como catalisadora deste projeto político. Além de produzir teoria, pode estabelecer planos, definir programas e lutar para alcançar projetos.
“A organização política atua ainda como local de produção das análises conjunturais e das orientações fundamentais pertinentes. Por isso, é a organização política a instância adequada para assumir os distintos e complexos níveis de atividade, que o trabalho revolucionário pode exigir, a única instância capaz de assegurar o conjunto de recursos técnicos, materiais, políticos e teóricos, etc. que são condição indispensável de uma estratégia de ruptura.
(…)
Nossa visão da organização política é contrária às distintas formas de “vanguardismo”, de “guardiões da consciência”, enfim, de grupos auto-eleitos, que se sentem tocados pelo dedo de Deus. A organização, mantendo e promovendo o espírito de revolta, assume como próprias todas as exigências presentes e futuras de um processo revolucionário. E a partir do trabalho militante organizado, e somente a partir dele, que se pode promover coerentemente e com força redobrada a criação, o fortalecimento e a consolidação das organizações populares de base, que constituem os núcleos do poder popular revolucionário.”
(FAU. A Organização Política Anarquista)
É por meio da organização específica anarquista, que os anarquistas se articulam no nível político e ideológico, apontando sempre para os objetivos finalistas, ou seja, revolução social e socialismo libertário. O terreno da prática política dos anarquistas é o terreno da luta de classes e dos movimentos sociais, não por simples “escolha” ou “preferência”, mas como argumentei anteriormente à partir das respectivas referências teóricas utilizadas, a autonomia social só pode ser conquistada enquanto uma ação popular. Isto por que, para realizar a transformação que desemboque num processo revolucionário, é necessário um acúmulo de força social, força que só pode ser conseguida pela organização coletiva dos explorados e exploradas, pois quando “indivíduos conjugam seus esforços para alcançar um objetivo comum, constitui-se entre eles uma nova força[20] que ultrapassa, e de longe, a simples soma aritmética dos esforços individuais de cada um” (BAKUNIN, 2009b: 35). É importante dizer que esta concepção anarquista de estratégia, necessariamente não deve envolver relação de subordinação ou domínio entre as instâncias, ao contrário da concepção política marxista-leninista, onde a luta política (do partido) é vista enquanto “superior” a luta econômica (dos movimentos sociais).
A organização específica anarquista também produz teoria, o que chamo aqui, insistentemente de atividade teórica, o que não significa dizer que a instância social não possa também produzi-la. A produção teórica da instância social, no entanto, normalmente é mais específica, e circula em torno de suas necessidades (moradia, trabalho, igualdade étnica, etc). Para articular a prática política, ou seja, ligá-la aos objetivos finalistas é preciso estratégia; esta envolve planos e um programa. O plano
“(…) corresponde ao momento técnico de uma atividade, quando condições, objetivos, meios podem ser e são determinados ‘exatamente’, e quando a ordenação recíproca dos meios e dos fins apoia-se sobre um saber suficiente[21] do domínio em questão.” (CASTORIADIS, 1986: 97)
Para os anarquistas a prática política, enquanto orientada por esta elucidação, por conseguinte
“(…) é cálculo e criação de forças que realizam a aproximação da realidade ao sistema ideal, mediante fórmulas de agitação, de polarização e de sistematização que sejam agitadoras, atraentes e lógicas num dado momento social e político.” (BERNERI, Camillo in Socialismo Libertário nº 24, pp. 08.)
Já o programa, é
“ (…) uma concretização provisória dos objetivos do projeto quanto a pontos considerados essenciais nas circunstâncias dadas, na medida em que sua realização provocaria ou facilitaria, por sua própria dinâmica a realização do conjunto. O programa é apenas uma figura fragmentária e provisória do projeto. Os programas passam, o projeto permanece. Como em qualquer outro caso, pode, facilmente, ocorrer decadência e degeneração do programa; o programa pode ser tomado como um absoluto, a atividade dos homens podem ser alienados no programa. Isso, em si, nada prova contra a necessidade do programa. (CASTORIADIS, 1986: 97-98).
Ter um programa não implica em “engessar” a prática política. Não há incoerência em assumir que o programa pode ser inconsistente em um ou outro aspecto, ou necessitar de correções. O programa se “enferruja”, é modificado, atualizado, mas o projeto permanece. No caso do anarquismo, o projeto é o socialismo libertário, o objetivo finalista da organização política anarquista (a organização específica anarquista).
Se um grupo revolucionário cujo projeto socialista busca a emancipação da classe trabalhadora a partir de métodos que não permitam a esta mesma classe a condução e gestão deste processo, podemos dizer que este grupo não possui a autonomia, nem como objetivo finalista e nem como método, estabelecendo, assim, outras relações[22], diferentes das relações autônomas, e até mesmo conformando novas relações de dominação e opressão.
Para Castoriadis, a autonomia se efetiva mediante uma praxis, que é conformada pelo desenvolvimento de novas relações, as quais surgem no interior dos projetos coletivos. A autonomia, portanto, cria mais a história do que é criada por esta. O objetivo da praxis e a lógica do projeto revolucionário são a “(…) ação autônoma dos homens e a instauração da de uma sociedade organizada para a autonomia de todos” (CASTORIADIS, 1986: 116).
Primeiramente, é preciso entender que Castoriadis compreende o socialismo enquanto um projeto, ou seja, uma possibilidade dada pela ação dos trabalhadores e trabalhadoras segundo contingências e especificidades sociais e históricas, e não um desdobramento do funcionamento das leis da história[23], cuja previsão poderia ser demonstrada segundo uma teoria. É a partir da experiência da classe e de sua praxis, que a possibilidade de uma sociedade socialista se erige, e não pela afirmação de um saber absoluto que a priori determinaria o caminho que os trabalhadores devem seguir para atingir o socialismo. Sendo assim, o socialismo, para Castoriadis, é um projeto, uma possibilidade; algo a ser feito, não um teorema ou uma verdade posta, sendo possível concluir a partir disto, que o termo socialismo científico, recobre-se de grandes incoerências.
Aproxima-se assim, da concepção dos anarquistas, da revolução enquanto um processo de acúmulo de força social e não uma conseqüência de uma contradição “inerente” ou do avanço das forças produtivas.
III – Conclusões Preliminares
À partir deste esboço preliminar, tentei levantar algumas questões para as possibilidades de uma atividade teórica anarquista profundamente conectada à prática política. A atividade teórica anarquista, que é constituída e constitui a prática política, se deseja ser crítica sem ser cética, necessita abandonar a fobia de constituir instrumentais, mas sempre ciente de que não se pretende definitiva, e muito menos se instituir como uma teoria acabada. Sugiro da mesma maneira que devemos abandonar o relativismo que tudo flexibiliza, e pouco indica, e a iconoclastia teórica que menos propõe do que critica.
De qualquer modo, sem uma estratégia coletiva, a autonomia se manterá cada vez mais restrita aos curtos interstícios, temporários e fugazes[24]; espaços supostamente autônomos, ou “libertados” que, longe de construírem alternativas ao largo conjunto dos oprimidos, apenas sugerem a poucos iluminados que é possível ser livre num mundo rodeado de escravidão. Isto de fato, do ponto de vista ético, para os libertários é no mínimo constrangedor, e contraria fundamentalmente, tudo aquilo pelo que os anarquistas lutaram durante a história da classe trabalhadora.
NOTAS DE REFERÊNCIA
[1] Castoriadis que na juventude participara de grupos marxistas, rompera abertamente com esta tradição, sem abandonar a iniciativa de construção de um projeto radical de esquerda.
[2] A frase completa de Bakunin, e que nos esclarece sua visão acerca do real é esta: “A ciência, que só se relaciona com o que é exprimível e constante, isto é, com as generalidades mais ou menos desenvolvidas e determinadas, perde aqui o seu latim e baixa a sua bandeira diante da vida, pois só ela se relaciona com a parte viva e sensível, inacessível e inefável, das coisas. Tal é o real e, pode-se dizer, o único limite da ciência, um limite verdadeiramente intransponível… A ciência só trabalha com sombras… A realidade viva escapa-lhe, e só se mostra à vida, que, sendo também ela fugitiva e passageira, pode discernir e discerne efetivam. (BAKUNIN, 1975: 42-43)
[3] Castoriadis neste ponto é bem elucidativo: “Para alguns, a crítica das pretensas certezas absolutas do marxismo é interessante, talvez até verdadeira – porém inaceitável, porque destruiria o movimento revolucionário. Como é necessário mantê-lo, é preciso conservar, a todo custo, a teoria, aceitando abater suas pretensões e exigências ou, se necessário, prontos para fechar os olhos. Para outros, já que uma teoria total não pode existir, é necessário abandonar o projeto revolucionário, a menos que seja colocado em plena condição com seu conteúdo, como vontade cega de transformar, a todo custo, uma coisa que não conhecemos em outra que conhecemos menos ainda. Nos dois casos, o postulado implícito é o mesmo: sem teoria total, não pode haver ação consciente. Nos dois casos, a fantasia do saber absoluto permanece soberana. E nos dois casos, a inversão irônica de valores se produz.” (CASTORIADIS, 1986: 90).
[4] Pois nem toda prática política visa transformação. E há práticas políticas que visam transformações, mas não visam a autonomia. Podemos transformar um governo mais ou menos democrático em um governo autocrático ou pior, em um governo de feições mais autoritárias. Há neste ponto transformação, mas uma transformação que não visa autonomia.
[5] Segue o texto original. “En La ciência, las teorias, siempre hipotéticas y provisórias, constituyen um médio cômodo para reagrupar y vincular los hechos conocidos, y um instrumento útil para la investigación, el descubrimiento Y la interpretación de hechos nuevos: pero no son la verdade. (…) Yo no creo em la infabilidad de la ciencia, ni em su capacidad de explicarlo todo, ni em su misión de regular la conducta de los hombres, como no creo en la infabilidadel Papa (…) Yo sólo creo em las cosas que pueden probarse; pero sé muy bien que las pruebas son algo relativo y pueden superarse y anularse continuamente mediante otros hechos probados (…).
[6] Que é a subordinação da sociedade às instituições que ela mesmo criara. Mais adiante tento explicitar com mais atenção este conceito de alienação.
[7] “E, se o socialismo é uma verdade científica à qual têm acesso os especialistas através de sua elaboração teórica, disso se segue que a função do partido revolucionário seria a de importar o socialismo no proletariado. Esse, com efeito, não poderia chegar ao socialismo a partir de sua própria experiência; no máximo, poderia reconhecer no partido que encarna essa verdade o representante dos interesses gerais da humanidade – e apoiá-lo. (…) O partido deteria a verdade sobre o socialismo, já que detém a única teoria capaz de levar até ele. Portanto, ele é, de direito, a direção do proletariado; e deve tornar-se tal também de fato, já que a decisão pode pertencer apenas aos especialistas da ciência da revolução. (CASTORIADIS, 1985: 163-164).
[8] Sobre isto Malatesta parece conveniente. “Portanto, não somos anarquistas porque a ciência nos diz que o sejamos; o somos, ao contrário, por outras razões, porque queremos que todos possam gozar dos benefícios e das alegrias que a ciência procura. (tradução minha)” Segue o original: Por lo tanto, no somos anarquistas porque la ciencia nos diga que lo seamos; lo somos, en cambio, por otras razones, porque queremos que todos puedan gozar de las ventajas y las alegrías que la ciencia procura. (MALATESTA in VERNON, 2007: 41).
[9] A concepção materialista-histórica sustentada pelo marxismo é insustentável segundo Castoriadis por que: “– Faz do desenvolvimento da técnica o motor da história ‘em última análise’, atribuindo-lhe uma evolução autônoma e uma significação fechada e bem definida. – Tenta submeter o conjunto da história a categorias que só tem sentido para a sociedade capitalista desenvolvida e cuja aplicação às formas precedentes da vida social coloca, mais do que resolve, problemas. – é baseada no postulado velado de uma natureza humana essencialmente inalterável, cuja motivação predominante seria a motivação econômica. Cf. CASTORIADIS, 1986: pp. 41.
[10] O original é: “El anarquismo es, en cambio, una aspiración humana, que no se funda sobre ninguna necesidad natural verdadera o supuesta, y qye podrá realizarse según la voluntad humana. Aprovecha los medios que la ciencia proporciona al hombre (…) cuando éstos sirvan para enseñar a los hombres a razonar mejor y a distinguir con más precisión lo real de lo fantástico; pero no se lo puede confundir sin caer en el absurdo, ni con la ciencia ni con ningún sistema filosófico.” A tentativa de transformar o anarquismo numa ciência também fora criticada por Malatesta.
[11] Segue o original em espanhol. “El anarquismo em su génesis, sus aspiraciones, suas métodos de lucha, no tiene ningún vínculo necesario com ningún sistema filosófico. El anarquismo nació de la rebelión moral contra las injusticias sociales. Cuando aparecerion hombres que se sintieron sofocados por el ambiente social en que estaban forzados a vivir y cuya sensibilidad se vio ofendida por el dolor de los demás como si fuera próprio, y cuando esos hombres se convencieron de que buena parte del dolor humano no ES consecuencia fatal de leyes naturales o sobrenaturales inexorables, sino que deriva, em cambio, de hechos sociales dependientes de la voluntad humana y eliminables por obra del hombre, abrió entoces la via que debía conducir al anarquismo. Errico Malatesta. “Anarquismo y Anarquia”. Excerto de Pensiero e Volontá, 16 de maio de 1925. In: RICHARDS, 2007: 21
[12] O círculo da práxis de que fala Castoriadis.
[13] Sobre os gestores, Cf. BERNARDO, João in Economia dos Conflitos Sociais, Expressão Popular.
[14] “Assim, a liberdade do trabalhador, tão exaltada pelos economistas, juristas e republicanos burgueses, é apenas uma liberdade teórica, sem quaisquer meios de realizar-se, e, conseqüentemente, é apenas uma liberdade teórica, sem quaisquer meios de realizar-se, e, conseqüentemente, é apenas uma liberdade fictícia, uma absoluta mentira. A verdade é que toda a vida do trabalhador é simplesmente uma sucessão contínua e horrível de períodos de servidão – voluntária do ponto de vista jurídico, mas compulsória pela lógica econômica – interrompida por momentâneos e breves intervalos de liberdade acompanhados de fome; em outras palavras, é a verdadeira escravidão.” (BAKUNIN, 2007: 16).
[15] Concluímos a partir disto, que o surgimento do anarquismo pode ser compreendido não só como a emergência de uma nova significação no interior do movimento operário, mas também, como a superação de certa alienação, num momento específico das práticas da classe trabalhadora, ao reconhecer nas instituições da sociedade, os seus produtos. A partir disto, o Estado, o capitalismo, para estes trabalhadores, não serão mais frutos das leis históricas ou conseqüências das leis naturais ou necessidades humanas, mas possíveis de serem eliminados pela ação coletiva de classe.
[16] Cf. CASTORIADIS, 1986: 122-129.
[17] Como por exemplo, a idéia do homus economicus capitalista. Esta significação imaginária, quando autonomizada, permite no âmbito individual, que o sujeito deseje ter, consumir, comprar ilimitadamente, ao invés de ser. O inconsciente é o ‘discurso do outro’ e em grande parte, o “ (…) depósito dos desígnios, dos desejos, dos investimentos, das exigências das expectativas – significações de que o indivíduo foi objeto, desde sua concepção, e mesmo antes, por parte dos que o engendraram e criaram. “(Jacques Lacan Remarques sur le rapport de D. Lagache in La Psychanalyse, n º 6 (1961), p. 116 opp. Cit CASTORIADIS, 1986: 124). É por isto que Bakunin dizia respondendo a Rosseau, que “O homem não criou a sociedade, nasceu nela. Não nasceu livre, mas acorrentado, produto de um meio social particular criado por uma longa série de influências passadas, por desenvolvimentos e fatos históricos. Está marcado pela região, o clima, o tipo étnico, a classe a que pertence, as condições econômicas e políticas da vida social e, finalmente, pelo local, cidade ou aldeia, pela casa, pela família e vizinhança, em que nasceu. (BAKUNIN, 1975: 12-13). Portanto, quando determinados indivíduos dizem que a o capitalismo existe por que as pessoas desejam o capitalismo, devemos relativizar tal afirmação, e considerar até que ponto, as instituições reafirmam este desejo, desejo outro, que se torna “seu”. Evidentemente não desconsideramos as escolhas neste processo, mas para desejar outra coisa, esta outra coisa (no caso de uma sociedade autônoma) deve estar apresentada. Numa sociedade alienada, as instituições heterônomas esmagam cotidianamente quaisquer tentativas de autonomia e de desejo de autonomia.
[18] Alguns poderiam dizer que o fim das relações pessoais é a satisfação de necessidades sexuais ou de outras necessidades: culturais, sociais, etc. Castoriadis rejeita esta visão funcionalista. “Um cachorro come para viver, mas também podemos dizer que vive para comer: viver, para ele (e para a espécie cachorro) não é senão comer, respirar, reproduzir-se. Mas isso nada significa para um ser humano, nem para uma sociedade. Uma sociedade só pode existir se uma série de funções são constantemente preenchidas (produção, gestação e educação, gestão da coletividade, resolução dos litígios, etc.), mas ela não se reduz só a isso, nem suas maneiras de encarar seus problemas são ditadas uma vez por todas por usa ‘natureza’; ela inventa e define para si mesma tanto novas maneiras de responder às suas necessidades, como novas necessidades.  (CASTORIADIS, 1986: 141)
[19] E no caso da paixão isto seria ainda mais absurdo, pois envolve questões irracionais. Estamos nos referindo ao conceito do inconsciente freudiano.
[20] Este conceito bakuninista é visivelmente inspirado em Proudhon.
[21] Este saber suficiente é fruto da aplicação de uma atividade teórica, obviamente, conectada intimamente com a prática política e ideológica: círculo da praxis.
[22] Para Castoriadis, é incoerente a idéia de “Estados Operários degenerados” defendida pelos trotskistas em relação a existência da burocracia na URSS. Havia uma dominação de classe (da burocracia sobre o proletariado), estabelecida, essencialmente, pela divisão antagônica no interior do sistema produtivo.
[23] Segundo Castoriadis: “Não pode existir teoria perfeita da história e a idéia de uma racionalidade total da história é absurda. Mas a história e a sociedade não são também irracionais num sentido positivo. Já tentamos mostrar que racional e não-racional cruzam-se constantemente na realidade histórica e social, e é precisamente esse cruzamento que é a condição da ação. (CASTORIADIS, 1986: 99).
[24] O que algum cretinismo teórico (e retórico) chamará de “Zonas Autônomas Temporárias”, nada mais do que se contentar com os curtos interstícios de liberdade, que estão muito longe de se constituírem enquanto uma alternativa à longo prazo para o conjunto dos oprimidos. O indulto de Natal dos presos do sistema carcerário burguês pode ser considerado uma Zona Autônoma Temporária, ou apenas uma pausa na escravidão?
REFERÊNCIAS
BAKUNIN, Mikhail. Catecismo Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São Paulo: Editora Imaginário, 2009a.
_. A Ciência e a Questão Vital da Revolução, São Paulo: Editora Imaginário, 2009b.
_. O Conceito de Liberdade – Vol. 3, Porto: Rés Limitada, 1975.
_. O Sistema Capitalista. São Paulo: Editora Faísca, 2007.
BERNERI, Camillo. In Socialismo Libertário nº 24 – Ano VII – Trimestre: Julho/Agosto/Setembro – 2010.
CASTORIADIS, Cornelius. A Experiência do Movimento Operário. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
_. As Encruzilhadas do Labirinto No 2: Os Domínios do Homem. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
_. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
_. Socialismo ou Barbárie: O conteúdo do socialismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
CORRÊA, Felipe. Criar um Povo Forte. São Paulo: Editora Faísca, 2010.
FARJ. Anarquismo Social e Organização. Rio de Janeiro: Editora Faísca, 2008.
FAU. Huerta Grande: a Importância da Teoria. In http://www.farj.org. Acessado em 20/12/2010.
LÓPEZ, Fábio López. Poder e Domínio: uma visão anarquista. Rio de Janeiro: Achiamé, 2005.
VERNON, Richards (compilador). Malatesta: pensamiento y acción revolucionarios.1a Ed. Buenos Aires: Tupac Ediciones, 2007.
VOLKER, Paulo; CORDEIRO, Renato Caporalli; PURRI, Victor José Bicalho et al. Revolução e Autonomia: um perfil político de C. Castoriadis. Belo Horizonte: COPEC, 1981.

Rafael V. da Silva - "Anarquismo contra o Anarquismo"

Menos complacência, mais autocrítica
Sobre a necessidade de haver menos complacência e mais autocrítica no movimento anarquista. Um texto sobre liberdade, ética e responsabilidade coletiva.

Introdução
As palavras confiáveis não são belas,
as palavras belas não são confiáveis
(Tao Te Ching)

Um velho militante anarquista, que tivera de se exilar em Paris por conta de sua atividade política, relatara em uma entrevista, que sentira certa inadaptação com o “relaxamento” ético da geração mais nova dos anarquistas que travara contato.
Esta “inadaptação” sentida pelo velho combatente, longe de ser uma reminiscência de valores “obsoletos”, traduzia uma diferença de compreensão sobre um valor que é central na prática política anarquista. Este militante da “velha guarda”, afirmava também em seu relato, que sua adesão ao anarquismo se dera muito mais pela observação do comportamento e da coerência política de seus aderentes, do que propriamente na leitura dos chamados “clássicos”. A ética de seus companheiros, a solidariedade, o estilo militante com que estes renovavam pelo cotidiano sua adesão aos princípios libertários, convenciam mais do ponto de vista ideológico nosso antigo combatente, do que a leitura de dezenas de livros, jornais ou brochuras revolucionárias.
Tal espírito de camaradagem e de apoio mútuo, de coerência cotidiana entre os fins desejados e os meios respectivos, se inseria num contexto de profundo enraizamento do anarquismo na classe trabalhadora. Enraizamento que se traduzia no desenvolvimento de uma ética anarquista que possuía ligações estreitas com os dilemas, anseios e problemas da classe trabalhadora.
Obviamente, a ética anarquista recebera suficiente atenção dos clássicos para se referenciar como a “espinha dorsal” da prática política de seus partidários, algo imprescindível aos que propugnavam a defesa dos métodos libertários. Mas como o artigo em questão não se pretende um panegírico de uma suposta “superioridade” ética dos anarquistas sobre as demais correntes da esquerda, o que nos levaria a estudarmos o comportamento dos anjos e dos seres sobrenaturais; não seria demasiado afirmar que a discussão da ética e da liberdade para alguns setores anarquistas, ainda se constitui como um problema muito mal discutido.
O primeiro sinal deste problema, do ponto de vista imediato, é observarmos atitudes indiferentes, ou francamente contrárias ao espírito libertário sublinhado por nosso velho militante. A falta quase que permanente de autocrítica [1]nos meios libertários indica que a questão é alvo de terríveis confusões. A liberdade é reiteradamente confundida com “fazer o que quiser”. A autonomia individual deturpada num relativismo ético preocupante e que pouco tem a ver com o comportamento e a responsabilidade coletiva que o anarquismo propugnou. A crítica a determinadas e reiteradas atitudes, são vistas como “autoritarismo”, ou “coerção” da liberdade “individual”. Ser anarquista, longe de engajar-se num projeto coletivo, passou a designar apenas, àqueles que fazem “tábula rasa” de quaisquer convenções, leis ou regras instituídas. A teorização e a defesa de um anarquismo voltado à luta popular, simplesmente a retomada de posições que sempre fizeram parte da história do anarquismo, é vista como uma “tentativa de excluir as outras tendências do anarquismo”, estabelecer “verdades”, ou simplesmente, quando há alguma iniciativa de organizar os anarquistas especificamente, um sinal indefectível do terrível sintoma anarco-bolchevique.
Obviamente, mesmo que estes setores sejam minoritários, causam uma má impressão enorme sobre a compreensão do anarquismo. Nenhuma propaganda positiva sobre o anarquismo pode superar em grau, a inconseqüência de determinados comportamentos, a amplitude de posições extremamente contraditórias com aquilo que os anarquistas defenderam durante a história, quando sabemos, que mais importante que o que se escreve e o que se diz, é a coerência entre o que se fala e o que se faz. De qualquer modo, ao realizarmos um trabalho de crítica, nos guiamos pelo espírito de debate e discussão franca, não pelo comportamento acusatório e anônimo das redes informais. A intenção é problematizar determinadas questões, não imprimir acusações ou definir rótulos reducionistas. Não pretendi escrever um artigo acadêmico, mas um documento de reflexão e autocrítica. Reitero também, que parte deste documento é também fruto do acúmulo socializado pelos anarquistas da “velha guarda” aos mais jovens. Não se trata de reproduzir tudo o que os mais “velhos” fizeram ou pensam, mas de não perder a experiência de anos de militância por uma iconoclastia estéril. Cabe também a nova geração, tentar não reproduzir os erros da antiga.

A ética e a liberdade anarquista criaram raízes no terreno da classe trabalhadora e do socialismo

O anarquismo pode ser compreendido enquanto uma ideologia, ou seja, um “conjunto de idéias, motivações, aspirações, valores, estrutura ou sistema de conceitos que possuem uma conexão direta com a ação” (FARJ, 2008: 17 [grifos nossos]). Esta ideologia deve ser contextualizada. Surge diretamente, como sabemos; dos dilemas, problemas e anseios da classe trabalhadora, e da prática política dos libertários nas entidades de classe. A história é relativamente conhecida: a anulação do grupo opositor. A ala antiautoritária da Associação Internacional dos Trabalhadores no congresso de Haia é “excluída”. O grupo próximo a Bakunin articula-se no bojo do congresso dos operários relojoeiros do Jura, em Saint-Imier. Nasce simbolicamente o anarquismo, que rapidamente se “alastra” como uma ferramenta revolucionária de transformação social, implicando não somente uma metodologia para o nascente sindicalismo, mas também, uma ética anarquista, profundamente conectada com a realidade dos trabalhadores. A simples negação do estado não é suficiente para definir alguém como anarquista [2]. O surgimento do anarquismo atesta esta tese. O anarquismo se desenvolveu não só a partir da negação do estado, mas de princípios correlatos: igualdade econômica, ação direta, classismo, etc.
Já a liberdade, foi conceituada no movimento anarquista pela primeira vez por Mikhail Bakunin, que não fez nada mais do que sistematizar questões relevantes no interior do setor do movimento operário influenciado pelo espírito “libertário”. Ao conceito abstrato e filosófico de “liberdade absoluta”, Bakunin desenvolveu uma idéia de liberdade essencialmente coletiva [3]. O homem; alertava, só pode ser livre quando “todos os homens forem livres”, o que é impossível na sociedade capitalista. A liberdade segundo os anarquistas implica o reconhecimento das instituições políticas, econômicas e sociais que limitam a liberdade humana e dominam a classe trabalhadora. Reconhecê-las também significa traçar estratégias coletivas para superarem-nas: estratégias que tenham como objetivo finalista o “socialismo libertário”. O termo socialista libertário não é, portanto, um mero adorno identitário, mas diz respeito ao objetivo finalista dos anarquistas, que percorreu toda a história do movimento.
Estas estratégias envolvem necessariamente o conjunto dos oprimidos; o povo. O anarquismo; alertava Kropotkin, só pode florescer no meio do povo. Mas nem sempre, o anarquismo fora (ou é) compreendido desta forma.

As influências burguesas sobre o anarquismo

Luigi Fabbri, em um opúsculo relativamente conhecido na literatura anarquista [Influências Burguesas sobre o Anarquismo], publicado depois do final da Primeira Guerra Mundial, retratou com grande precisão, os danos que determinados estereótipos construídos pelos jornais burgueses e pela literatura ficcional, fizeram ao anarquismo enquanto um movimento de classe. Fabbri espantava-se com a introjeção feita por determinados setores do anarquismo, da caricatura burguesa sobre os anarquistas, rascunhada pelos jornais das elites em seus periódicos. Surpreendentemente, muitos anarquistas assumiam comportamentos, estratégias e práticas que eram parte da representação cultural burguesa sobre o anarquismo. O anarquista enquanto um inimigo declarado de “qualquer” moral, terrorista, ou um indivíduo que desprezava qualquer deliberação coletiva se aproxima mais do imaginário niilista cunhado pela literatura burguesa, do que propriamente das estratégias delineadas pelos anarquistas no ambiente da classe trabalhadora. Esta crítica fora recorrente ao longo da história do anarquismo. Malatesta compreendera a influência nefasta dessa deturpação do princípio socialista do anarquismo.
Há indivíduos fortes, inteligentes, apaixonados, [...] que, encontrando-se por acaso entre os oprimidos, querem, a qualquer custo, emancipar-se e não se ofendem em transformar-se em opressores: indivíduos que, sentido-se prisioneiros na sociedade atual, chegam a desprezar e a odiar toda a sociedade, e ao sentir que seria absurdo querer viver fora da coletividade humana, buscam submeter todos os homens e toda a sociedade à sua vontade e à satisfação de seus desejos. Às vezes, quando são pessoas instruídas, consideram-se super-homens. Não se sentem impedidos por escrúpulos, querem “viver suas vidas”. Ridicularizam a revolução e toda aspiração futura, desejam gozar o dia de hoje a qualquer preço, e à custa de quem quer que seja; sacrificariam toda a humanidade por uma hora de “vida intensa” (conforme seus próprios termos).
Estes são rebeldes, mas não anarquistas.
[...]
Pode ocorrer algumas vezes que, nas circunstâncias dinâmicas da luta, os encontremos ao nosso lado, mas não podemos, não devemos e nem desejamos ser confundidos com eles. E eles sabem muito bem disso. Contudo, muitos deles gostam de chamar-se anarquistas. É certo – e também deplorável.

(MALATESTA, Errico. Anarquismo e Anarquia.)
O que Malatesta chama de “rebeldes”, Berneri chamou de “cretinismo anarquista”, que vigorou minoritariamente não apenas no final do século XIX, mas dominou determinados setores também nas primeiras décadas do século XX. O individualismo anarquista baseava-se em teóricos completamente exógenos ao anarquismo. Stirner, Tucker, Nietzsche, jamais se assumiram anarquistas, este último inclusive, promoveu um ataque vigoroso ao anarquismo em diversos de seus escritos. O socialismo era visto com desdém por estes pensadores; não nos surpreende, portanto, que estes estivessem distantes das privações materiais suportadas pelos trabalhadores ou distantes do comprometimento com quaisquer doutrinas socialistas. E como vimos, se a simples negação do estado é problemática para definir os anarquistas, precisamos incluir outros princípios, estratégias e metodologias que estão imbricadas na própria formação histórica do anarquismo. Os anarquistas que atuavam nos sindicatos revolucionários das três primeiras décadas do século XX pareciam estar cientes desse dilema, pois estes enxergavam o anarco-individualismo normalmente como um “exotismo pequeno-burguês” [4], completamente inofensivo ao capitalismo e ao estado, algo restrito a artistas, boêmios, literatos, e outras figuras que resolveram afastar-se dos propósitos da classe trabalhadora.
Durante a Revolução Russa e Ucraniana, setores influenciados por esta compreensão equivocada do anarquismo acusavam o movimento revolucionário camponês da Ucrânia, profundamente influenciado pelo anarquismo, de ser mais próximo dos socialistas-revolucionários do que do anarquismo. Enquanto o grupo anarquista de Makhno enfrentava os guardas-brancos e os bolcheviques no flanco ucraniano arriscando suas próprias vidas pela revolução, anarquistas de Moscou procuraram o exército insurgente ucraniano não para apoiá-lo, mas para pedir dinheiro para a construção de uma “universidade anarquista” [5] em Moscou. O desgosto de Makhno com parte dos anarquistas da Rússia era anterior neste caso. Em visita a Ekaterinoslav, uma cidade russa, Makhno encontrou um grupo de anarquistas ocupando pacientemente o “Clube Inglês” enquanto a revolução se desenrolava nos campos da Ucrânia e nos centros industriais da Rússia. O ambiente do niilismo russo contribuía para que parte dos anarquistas optasse por ações completamente descoladas da classe trabalhadora, ainda que houvesse uma corrente mais comprometida, atuando no interior dos sindicatos e dos sovietes.
Mas isto não explica a tendência centrípeta [6]de um anarquismo voltado para si próprio, posto, que isto não é exclusividade do individualismo anarquista nem do contexto histórico russo. E pode rapidamente “contaminar” um grupo anarquista de qualquer orientação, a ponto da ética anarquista, que é baseada no terreno da classe trabalhadora, rapidamente tornar-se-á uma moral e uma prática voltadas apenas para si mesmas. Este descolamento de determinados setores do anarquismo da classe, operou uma transformação interna de seus valores que se traduz numa deformação que em alguns casos chega a ser grotesca.
Os limites desta nova moralme pareceram mais nítidos quando soube de um caso de alguns anos atrás, de um auto-intitulado anarquista que se vangloriara de ter roubado (para si próprio) um livro anarquista de uma biblioteca pública. Outro, contemporâneo do primeiro, foi além: assumiu ter “yomangado” (roubado) livros anarquistas de uma banquinha de livros de um conhecido editor de material libertário. O perigoso “burguês” roubado pelo nosso amigo “revolucionário”, fora simplesmente o responsávelpela publicação da maior parte dos materiais libertários lidos pelos anarquistas brasileiros nos últimos 10 anos, e cujo trabalho abnegado de venda de livros, garantiu que toda uma geração (como eu) pudesse ter acesso à literatura anarquista. O “yomango” (na gíria espanhola, “yo mango”) se define não como “um movimento social, ou um grande projeto de mudança”, mas como um “estilo de vida” [7] que não se oferece como uma “proposta ideal de futuro, mas como mais uma ponte e uma resistência ao capital” [8]. Na prática, “yo mango” significa apenas a “expropriação” de mercadorias capitalistas por pretensos anarquistas, geralmente em benefício próprio. Que anarquista sensato e comprometido com um trabalho de base, se arriscaria a ser preso não por desenvolver um projeto revolucionário de amplitude, mas por “roubar” bebidas, livros e badulaques das empresas capitalistas? Esta é a contribuição revolucionária de alternativa econômica que oferecemos ao nosso povo?
Abandonadas as estratégias de transformação global da sociedade [9] que SEMPRE fizeram parte da luta dos anarquistas na história, o que sobra de anarquismo em “yomango” [10] ou em outras táticas semelhantes? A pergunta é: houve em algum momento, uma relação mais profundaentre as duas coisas? Ou apenas uma tolerância irrestrita e irresponsável de largos setores do anarquismo, a quaisquer práticas que se pretendem libertárias?
Esta atitude moral, restrita ao seu próprio e limitado universo, normalmente vem acompanhada do sectarismo. O sectarismo é a “incapacidade de tolerar posições teóricas ou práticas diferentes das suas” [11] . Caracteriza-se “pela ignorância, tanto das idéias alheias, como de suas próprias” [12] . O sectário é “incapaz de reconhecer os méritos alheios e carece de [...] critério para discernir, [...] com o que está de acordo ou do que diverge: sua atitude é de aceitação ou rechaço absolutos[13]. O que deriva daí, já é conhecido de maneira mais ou menos pública no movimento anarquista (mas infelizmente pouco criticado), a “visão de mundo do sectário é tão rígida, tão inflexível, tão fanática, tão amarga [...] e pouco atrativa que acaba mais por espantar o povo do que atraí-lo [...] [14] ”. Quantos exemplos podem ser citados; por que os casos infelizmente são numerosos. Recordo-me apenas de um habitual e mais recorrente, que é a inflexibilidade de uma postura “anarquista” francamente agressiva (dentro de uma assembléia) à religiosidade popular, que nitidamente ofendera parte dos presentes (por coincidência os setores não-anarquistas).
Quando as pessoas “comuns” não correspondem às atitudes morais do fanático, o moralismo é curiosamente invertido. O moralista passa a ser não o sectárioque tentou impor seus valores ao coletivo, mas o culpado passa a ser nosso povo, que não se despiu de sua “estreiteza”, em detrimento da catequese e dos “preciosos” valores libertários do sectário. Uma atitude claramente de vanguarda como esta, mesmo que esteja supostamente baseada em “grandes” ideais de liberdade, ou se proponha antiautoritária, é seguida dum comportamento acusatório mais amplo. A censura, a repressão ao “indivíduo”, a opressão da individualidade pela maioria são demagogicamente acionados num nítido projeto de vitimização.
Se o sectarismo não atrai o povo, convence largos setores da juventude, que pode o carregar nos ombros como um verdadeiro atestado de “pureza” de princípios, mesmo sob o custo de reduzir consideravelmente o espectro de sua atividade política. Tal como o mito de Orígenes [15], que para manter-se puro decepou seus órgãos sexuais, o sectarismo torna impotente a ação política mais ampla, por que permanece reduzida a poucos círculos, cada vez mais restritos, mas que por sua força atrativa, continuamente tem seus quadros renovados.
Compreendendo a ética como uma espinha dorsal do anarquismo [16], e, portanto, que define ao militante uma conduta, e a coerência entre esta e seus princípios (classismo, ação direta, igualdade política, econômica e social, autonomia, etc), entende-se que estes valores devem ser “socializados”, pela maneira libertária, ou seja, pelo trabalho de base, em contato com as tradições, a história e os costumes de nosso povo. Trabalho que indispensavelmente, precisa para sobreviver, abandonar o sectarismo e o estrabismo político, preservando o conceito de ética e de liberdade, nos parâmetros da organização coletiva. A única capaz de não só potencializar nossas qualidades soterradas pela heteronomia instituída [17] das estruturas capitalistas, mas também de demonstrar sob o âmbito psíquico, que possuímos complexos [18]e questões inconscientes, que não podem determinar a estratégia política de uma organização ou movimento, e muito menos fazer de seus membros, seus caprichosos reféns.

Liberdade e Ética nos parâmetros da organização coletiva

Partindo do pressuposto que elementos exógenos, que possuem pouco compromisso com os princípios socialistas e libertários do anarquismo, se inserem perifericamente neste, e, portanto, corrompem o sentido da liberdade e da ética cunhada pelos anarquistas durante a história das lutas da classe trabalhadora, deveríamos nos perguntar qual é a abertura dada hoje pelos próprios anarquistas a este tipo de fenômeno? Por que há tanto terreno fértil para “aqueles que pescam nas águas revoltosas do anarquismo[19]? Recordo-me de um ato realizado numa grande cidade do sudeste do país, onde houve uma intensa organização coletiva anterior a manifestação. No desenrolar da manifestação, um sujeito atira uma pedra numa vidraça de uma loja. Escudando-se no coletivo, o indivíduo que reivindicava de forma “instintiva” o anarquismo, causou indiretamente a prisão de mais de trinta manifestantes naquele dia, tudo por um ato isolado e que não foi tirado pelo coletivo como parâmetro de ação.
Bem, partindo deste exemplo e do princípio que o anarquismo em todo o seu desenvolvimento, seja teórico, seja prático, de modo hegemônico conservou seu princípio socialista libertário, e que o individualismo é um fenômeno marginal ao anarquismo, há algumas questões importantes a se pontuar.
Um dos primeiros passos que podemos dar é realizar um diagnóstico histórico, que se pretende muito preliminar. De fato, o anarquismo sofreu um desgaste ideológico causado pela perda de seu vetor social (sindicatos). Ao ser deslocado como um agente de peso das lutas sociais, parte do anarquismo reforçou exclusivamente seu caráter identitário, cada vez mais excêntrico aos problemas cotidianos dos trabalhadores, em detrimento de um programa político e um trabalho social de longo prazo. Para alguns setores isto se traduziu na falta de esperança na transformação social, que fora rapidamente transformada num semi-niilismo perturbador. Estes, que com exceção da negação do estado, abandonaram a maior parte dos princípios anarquistas, mas continuaram reivindicando-se anarquistas, utilizando muito pouco do arsenal teórico que definiu a coluna vertebral do anarquismo (Malatesta, Bakunin, Kropotkin, etc) flertando muito mais com as tendências pós-modernas, muito bem descritas por Bookchin em seu título seminal, “Anarquismo: Crítica e Autocrítica[20]. Este desgaste provocou a deturpação do conceito de organização dos anarquistas. Organizar-se, daí para frente, tornar-se-ia sinônimo de hierarquia, “partidarização”, autoritarismo. Privilegiou-se, em parte do anarquismo contemporâneo, a fluidez das organizações “sem estrutura”.
Chegamos então ao primeiro ponto da questão. É justamente, a falta de estrutura organizativa clara que dá ampla margem ao que Archinov chamava dos que “pescam nas águas revoltosas do anarquismo”. Já está devidamente debatido, que as organizações sem estrutura, longe de se prevenirem contra o autoritarismo e as “lideranças”, possuem a função contrária, de reforçar os “líderes ocultos”. Líderes que vão se mover no terreno mais primário e suscetível de convencimento (geralmente inconsciente) do ser humano: o terreno afetivo [21] .
A ação coletiva é a partir daí esvaziada de seu conteúdo político em detrimento de relações afetivas e pessoais. Isto por que toda estrutura informal de deliberação, atua segundo Jo Freeman, militante feminista dos anos 70, como uma “irmandade”, “na qual se escuta as pessoas porque se gosta delas e não porque dizem algo significativo[22]. Jo Freeman ainda vai além, e conclui:

Para que todas as pessoas tenham a oportunidade de se envolver num dado grupo e participar de suas atividades, é preciso que a estrutura seja explícita e não implícita. As regras de deliberação devem ser abertas e disponíveis a todos e isso só pode acontecer se elas forem formalizadas. Isto não significa que a normalização de uma estrutura de grupo irá destruir a estrutura informal. Ela normalmente não destrói. Mas impede a estrutura informal de ter o controle predominante e torna disponível alguns meios de atacá-la. A “ausência de estrutura” é organizacionalmente impossível.

(FREEMAN, Jo. A Tirania das Organizações Sem Estrutura, 1970.)
Regras de deliberação abertas e disponíveis obviamente não esvaziam o papel das estruturas informais, inclusive do afetivo, mas tornam os acordos coletivos muito mais claros e minimizam seus efeitos. Sempre que uma atitude individualista compromete um trabalho coletivo, é comum dentro do anarquismo, culpar o próprio indivíduo por sua postura, o que parece do ponto de vista imediato uma atitude acertada do grupo em relação às posturas pessoais. Porém olhando de maneira mais atenta, percebemos que ao individualizar o problema, preservamo-nos do real culpado, que é a falta de formalização de regras claras e bem definidas e a falta de acordos coletivos. No caso específico dos grupos anarquistas, isto implica também definir o que determinado grupo entende enquanto anarquismo. Quais são suas estratégias? Quais são os acordos coletivos mínimos?
Isto nos leva a outra questão, que é a responsabilidade coletiva. Mal discutida no movimento anarquista, tal questão gerou uma polêmica quase que interminável; traduzida na discussão por cartas entre Malatesta e Makhno. Infelizmente, a parcialidade e o maniqueísmo com que as leituras destas polêmicas são feitas, impedem de enxergar o acordo [23] feito por ambos os militantes sobre esta questão.
Quando algum individualista utiliza o anarquismo para justificar suas ações deletérias dentro ou fora dos movimentos sociais, companheiros bem intencionados, porém, imersos em organizações sem-estrutura, se isentam de quaisquer intervenções para não “parecerem autoritários”. A crítica a determinadas estratégias, supostamente revolucionárias (yomango ou zonas autônomas temporárias, sendo exemplos mais caricatos) não é feita por que se parte do pressuposto de que os que as reivindicam não são anarquistas. Como dizia Malatesta, não temos direito de “impedir ninguém de se chamar do nome que quiser, nem podemos, por outro lado, abandonar o nome que sucintamente exprime nossas idéias[24]. As críticas são feitas justamente por que estas estratégias não funcionam sob uma perspectiva popular, aplacam mais a consciência de seus responsáveis do que propriamente contribuem para a emancipação e a difusão dos métodos e dos valores do anarquismo nos setores populares. Possuindo por outro lado, o efeito colateral de tornar o anarquismo muito pouco atrativo para nosso povo.
Uma organização ou grupo, que não trabalhe com o conceito de responsabilidade coletiva, ou se negue a discuti-la abertamente, permanecerá refém destas práticas, que se são ruins para os anarquistas, de todas as correntes, são ainda pior para o anarquismo. No fundo, superando os que desejam operar com maniqueísmos, era isso o que Makhno discutia com Malatesta em sua famosa troca de correspondência, e que o anarquista italiano, parece ter aceitado como um fator indispensável da ação política organizada. Por isso é preciso ter mais autocrítica, e menos complacência. Resta saber se muitos anarquistas estarão dispostos a fazê-lo.


Notas:

[1] Cf. DANTON, José Gutiérrez. Problemas e Possibilidades do Anarquismo. São Paulo, Editora Faísca, 2011.

[2] Cf. SCHMIDT, Michael; WALT, Lucien Van Der. Black Flame: The Revolutionary Class Politics of Anarchism and Syndicalism. Oakland, Ak Press, 2009.

[3] “Ser coletivamente livre é viver no meio de homens livres e ser livre pela liberdade deles. O homem, já dissemos, não poderia tornar-se um ser inteligente, dotado de uma vontade refletida, e, por conseqüência, não poderia conquistar sua liberdade individual fora e sem o concurso de toda a sociedade. A liberdade de cada um é, portanto, o produto da solidariedade comum. Mas essa solidariedade, uma vez reconhecida como base e condição de toda liberdade individual, evidencia que, se um homem está no meio dos escravos, ainda que fosse seu amo, seria necessariamente o escravo de sua escravidão, e só poderia tornar-se real e completamente livre por sua liberdade. Portanto, a liberdade de todo o mundo é necessária à liberdade; daí resulta que não é absolutamente verdadeiro dizer que a liberdade de todos seja o limite de minha liberdade, o que equivaleria a uma completa negação desta última. Ela é, ao contrário a sua confirmação necessária e sua extensão ao infinito.” BAKUNIN, Mikhail. Catecismo Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São Paulo: Editora Imaginário, 2009a: 76.

[4] Cf. BOOKCHIN, Murray. Anarquismo, Crítica e Autocrítica. Editora Hedra, 2011.

[5] Pedido que Makhno obviamente negou. Afinal, na Ucrânia não havia nem escolas para os camponeses. Esta história é relatada com maior detalhes no excelente livro de Anatol Gorelik. GORELIK, Anatol. El Anarquismo y La Revolución Rusa. Buenos Aires, Utopia Libertaria, 2007.

[6] Cf. DANTON, 2011.

[7] O Livro Vermelho: Yomango, pp. 21. Disponível em <http://brasil.indymedia.org/media/2007/10//398527.pdf> Acessado em 03/08/11.

[8] Idem.

[9] Lembremos os clássicos que sussurram em nossos ouvidos: “Não podemos ser livres num mundo de escravos.”, já tinha dito Bakunin.

[10] Vemos que o problema não é novo, Malatesta escrevia em relação a um grupo de individualistas italianos: “ eles ridicularizavam o 1º de Maio, a greve geral, a organização dos trabalhadores e a anarquia. Pregavam o roubo em si mesmo, inclusive e sobretudo contra os camaradas e contra os pobres, e diziam-se comunistas. [...] Defendiam todo absurdo que a estupidez dos inconscientes ou a maldade dos inimigos teriam atribuído aos anarquistas, e diziam que isso era pura anarquia.” MALATESTA, Errico apud MINTZ, Frank in Anarquismo Social, Editora Faísca, 2006: 46.

[11] Cf. DANTON, 2011: 103.

[12] Idem.

[13] Idem.

[14] Idem.

[15] Devo esta excelente analogia ao anarquista Luigi Fabri.

[16] Cf. CORRÊA, 2008.

[17] Sirvo-me do conceito castoriadiano de heteronomia, que mesmo sem dizer, deve muito ao arsenal teórico anarquista, em específico à Mikhail Bakunin. Sobre a heteronomia, Cf. CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 2ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
[18] Segundo Jung, o termo mais adequado seria dizer que são os complexos que nos possuem e não o contrário. Sobre o conceito de complexo, Cf. JUNG, Carl. O Eu e o Inconsciente, Editora Vozes, Petrópolis, 1979.
[19] ARCHINOV, Piotr. Historia Del Movimiento Makhnovista. Buenos Aires, Utopia Libertaria, 2008.
[20] Este é o nome do título da Editora Hedra, o título original é “Anarquismo social ou anarquismo de estilo de vida”.
[21] Recordo-me de um caso onde não havia contexto algum em se promover um determinado ato de rua, pela quantidade irrisória de participantes. Um “líder oculto”, mas que me pareceu extremamente visível naquele momento, jogou com dois sentimentos. O primeiro foi o de martírio e o sentimento de culpa. Deveríamos realizar o ato independente da conjuntura, já que “era preciso fazer alguma coisa”, mesmo que isto significasse alguns riscos coletivos aos seus participantes. O segundo dizia respeito a covardia em não se fazer nada. Pareceu-me visível, que naquele momento o pequeno grupo era coagido a atuar sob a liderança oculta, do “corajoso” líder e não conseguia se desvincular daquela nefasta influência, muito mais psicológica e afetiva, do que propriamente fruto de uma discussão coletiva e política. Percebendo a manipulação (in)consciente, decidi não participar do “jogo”.
[22] FREEMAN, Jo. A Tirania das Organizações Sem Estrutura, 1970. Disponível em http://www.nodo50.org/insurgentes/textos/autonomia/21ti…a.htm. Acessado em 03/08/11
[23] O “libertário” Malatesta em total concordância com o “autoritário” Makhno nos diz: “Certamente eu apóio a visão de que qualquer um que se associa e coopera com outros por uma causa comum deve: coordenar suas ações com a de seus companheiros e não fazer nada que prejudique a ação dos outros e, portanto, a causa comum; respeitar os acordos feitos – exceto quando pretendem deixar a associação por diferenças de opinião, mudança de circunstâncias ou conflito sobre os métodos escolhidos tornam a cooperação impossível ou imprópria. [...] E agora, ao ler aquilo que dizem os companheiros do XVIIIº eu vejo-me em acordo substancial com a sua maneira de conceber a organização anárquica (muito longe do espírito autoritário que a “Plataforma” parecia revelar) e estou vendo confirmada a minha esperança de que sob diferenças de linguagens se encerra verdadeiramente uma identidade de propósitos.” MALATESTA, Errico. Em http://www.alquimidia.org/farj/index.php?mod=pagina&id=4028. Acessado em 05/06/2011
[24] MALATESTA, Errico. Anarquismo e Anarquia. Em http://www.anarkismo.net/article/11714 Acessado em 06/06/2011.

Referências
ARCHINOV, Piotr. Historia Del Movimiento Makhnovista. Buenos Aires, Utopia Libertaria, 2008
BAKUNIN, Mikhail. Catecismo Revolucionário: Programa da Sociedade da Revolução Internacional. São Paulo: Editora Imaginário, 2009a: 76.
BOOKCHIN, Murray. Anarquismo, Crítica e Autocrítica. Editora Hedra, 2011.
CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. 2ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
CORRÊA, Felipe. O Anarquismo Especifista. 2008. Em http://divergences.be/spip.php?article784&lang=fr. Acessado em 03/08/11
DANTON, José Gutiérrez. Problemas e Possibilidades do Anarquismo. São Paulo, Editora Faísca, 2011.
FARJ. Anarquismo Social e Organização, Editora Faísca, 2008.
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Livro Vermelho, O: Yomango,  s/d. Disponível em <http://brasil.indymedia.org/media/2007/10//398527.pdf> Acessado em 03/08/11.
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__________________. Anarquismo e Anarquia. Em http://www.anarkismo.net/article/11714 Acessado em 06/06/2011.
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